UM CAMPEÃO DISCRETO
“O Rivaldo do futebol de mesa”. É assim que muitos se referem ao craque Adriano Garcia, atualmente no Vasco da Gama, mas com passagens marcantes por outras agremiações tradicionais do Rio de Janeiro, entre elas o campeoníssimo Tijuca Tênis Clube. Afinal, tal qual o craque que encantou o mundo do futebol com a pelota nos pés, Adriano, inegavelmente um fenômeno com a palheta nas mãos, nem sempre teve o seu talento plenamente reconhecido. Talvez — assim como Rivaldo — devido ao seu jeito caladão e introspectivo. Ambos têm um extenso e vitorioso currículo de serviços prestados ao esporte que abraçaram com amor e dedicação. Rivaldo, atualmente, dispensa apresentações. Então, vale a pena conhecer um pouco da história de Adriano Garcia, que ainda saboreia o título do primeiro turno do Estadual individual, na categoria Master, conquistado em junho.
1 – Campeão do primeiro turno do Estadual de 2024, levando, de quebra, o título da etapa de junho. O que representaram estas conquistas para você?
Representaram um momento de recompensa por todos esses anos que jogo futebol de mesa. Afinal, marcaram minha primeira grande conquista individual na Fefumerj, depois de 15 anos federado. Fiquei muito feliz e orgulhoso. Fiz duas partidas muito boas, na semifinal e na final, contra os amigos Gil e Pitico, obtendo um resultado que será muito importante para a reta final do Estadual, já que me classifiquei às finais. Mas não vou relaxar e seguir na busca da pontuação no ranking para tentar ganhar o segundo turno também.
2 – Dedica a alguém sua façanha?
A dois amigos queridos que sempre me ajudaram e me deram muito suporte. Um é o Armandinho, que hoje mora no Paraná e está com um problema de saúde. Sei que ele sente muita falta de estar aqui com a gente, no meio do botão, jogando, se divertindo. Torço para que tudo dê certo por lá. Também dedico meu título a outro amigo querido, o Jorge Ferraz, que infelizmente já não está mais entre nós. Ele, na Lafume, também foi campeão de uma etapa na categoria master e eu repeti a façanha dele, que conquistou esse título primeiro do que eu. Gostaria muito que ele estivesse aqui para ter comemorado comigo essa vitória. Mas sei que onde ele estiver, ele também ficou muito feliz e está comemorando junto com a gente.
3 – Como o futebol de mesa entrou na sua vida?
Tenho um irmão, cinco anos mais velho, e comecei muito cedo a brincar com ele, por volta dos meus 5 anos de idade. Ele tinha times de botão de galalite, comprados na papelaria. Jogamos durante toda a infância. Quando eu tinha de 8 para 9 anos, nos mudamos para um condomínio de casas, onde havia muitos meninos e uma das brincadeiras favoritas era o futebol de botão. Quase todas as casas tinham o famoso Estrelão, a gente fazia torneios na rua, em garagens vazias… A gente usava cinco, seis Estrelões. Foi quando teve início a minha fase competitiva. Eu gostava muito de jogar. Tinha outras brincadeiras, mas botão era a favorita de todas. Fui assim até os 13, 14 anos, quando parei de jogar para fazer outras coisas da vida.
4 – E como foi o retorno?
Já tinha uns 35, 36 anos. O Cacá, um amigo de infância, que não jogou comigo quando garoto, pois era mais novo, conheceu o Baruque, no shopping Barra World, e passou a me chamar para jogar torneios que ele promovia na casa dele. Mas eu estava recém-casado, com outro ritmo de vida. Tempos depois, porém, ele me ligou, disse que estava jogando na federação do Rio e que havia formado uma equipe na ASBAC. Aí, decidi conferir. Os treinos eram perto da minha casa, fui e joguei com um time dele emprestado. Isso em 2009, eu nem sabia a regra direito. Mas foi muito interessante. Cheguei em casa, deitei na cama e minha cabeça ficou viajando, lembrando dos jogos. Decidi que não pararia mais de jogar. Aí, me federei pela ASBAC.
5 – Em quem você se inspirou? Quais foram seus mestres?
Quando o Cacá me convidou para ir à ASBAC, o Marcelo Mendes (hoje no Fluminense) jogava com eles. Eu vi uma partida na qual ele fez uma jogada linda, foi da defesa ao ataque tocando o dadinho com os botões… Fiquei maravilhado e decidi fazer igual. O Marcelo Mendes foi o primeiro jogador que eu vi jogar em alto nível. Depois comecei a ir no Baruque, jogar na ARCB, quando começaram, juntos, Paulinho Quartarone e Alexandre Aires (também no Tricolor atualmente). O Paulinho teve uma evolução muito grande, uma precisão de chute absurda, pois chuta de qualquer lugar, com o dadinho de qualquer jeito. É um cara que eu me inspiro nele. Claro que não dá para comparar a eficiência de um e de outro, mas minha forma de jogar é muito parecida com a dele. É outro cara que me ensinou bastante.
6 – Mas quem foi o Mestre?
Posso dizer que tive um mestre, o João Carlos (hoje no Botafogo). Quando a primeira ASBAC acabou eu fui para o Maxwel e ele estava lá. O Maxwel era uma seleção, com o João Carlos, na época, jogando demais. A gente fez uma parceria muito boa e, no ano seguinte, montamos uma segunda equipe da ASBAC. A categoria do João Carlos, sua técnica, era tudo muito impressionante. O conhecimento dele de tudo, da história, do que já tinha acontecido no esporte, de saber entender o jogo. O coloco neste patamar de mestre.
7 – Como você se define como jogador?
Não sei bem (risos). Jogo conforme o andamento do jogo, conforme as coisas vão acontecendo durante a partida. Eu tento aproveitar as oportunidades. Eu não me vejo um jogador muito técnico. O meu ponto forte é o chute a gol, não tenho medo de chutar uma bola que não pareça boa. Tento sempre tento fazer o gol. Também não desisto dos jogos, mesmo atrás no placar, e sou um cara que sabe digerir uma derrota, que valoriza o adversário, que dá mérito ao adversário na vitória dele. Me considero, principalmente, um jogador de equipe. Muita gente fala que eu sou um bom jogador de equipe. Gosto de jogar torneios de equipe.
8 – Há quem te compare com o craque Rivaldo no temperamento, no talento e na falta de reconhecimento por tudo que vocês representam (nos campos e nas mesas). Você concorda com tal afirmação?
Rivaldo já ganhou bola de ouro de melhor do mundo. Aí a comparação fica difícil (risos). Mas tudo bem, pode se dizer que sim. Só acho que a falta de reconhecimento aconteceu mais no passado, embora isso nunca me afetasse, eu nunca tivesse cobrado ou desejado tal reconhecimento. Na Copa do Mundo de 2002, muito se falava em Ronaldo, o melhor jogador do Brasil, Ronaldinho Gaúcho, pelo gol na Inglaterra, mas se esqueciam do Rivaldo, da regularidade dele, da participação decisiva dele em vários gols. Comigo, nos Brasileiros de Equipes que o Tijuca Tênis Clube ganhou em 2014 e 2016 aconteceu algo parecido.
9 – Como assim?
Em 2014, as melhores campanhas foram as minhas e do Aires, os outros dois titulares eram o Paulinho e o Gil, mas as nossas campanhas foram superiores às deles. Em 2016, na fase final, a melhor campanha foi a minha. Tinha Aires, Gil e Alex Lage. É claro que isso acaba não ficando evidente para todo mundo e nem precisa, já que o que importa é o título da equipe, mas lá dentro todo mundo sabia que a melhor campanha tinha sido a minha. Então dá para se fazer uma comparação nesse sentido. Assim como muita gente esquecia de mencionar o Rivaldo entre os craques da Copa, os craques do Brasil pentacampeão, eu não era lembrado como o cara que foi o melhor jogador da equipe do Tijuca Tênis Clube em dois títulos brasileiros. Normalmente quem era lembrado era o Paulinho, que, claro, é um Monstro, e, no segundo ano, se falava muito no Lage, que já tinha um nome no circuito, já tinha sido campeão brasileiro. Mas a melhor campanha na fase final de 2016 foi minha.
10 – Para muitos, você está na primeira prateleira do futebol de mesa atualmente, ao lado de nomes consagrados como Brayner, Paulinho Quartarone, Victor Praça e tantos outros. Isso é fato ou sua modéstia e timidez o impedem de se ver em tal patamar?
De cara, isso não é fato, não concordo com isso. E também não é minha modéstia e timidez que vão decidir nada. O que me deixa fora de tal patamar, entre outras razões, são as conquistas. Não tem como me comparar e me colocar na mesma prateleira desses caras e tantos outros. O Paulinho é heptacampeão estadual, já ganhou Copa do Brasil; Brayner é pentacampeão da Copa do Brasil, já ganhou alguns nacionais, campeão estadual; Victor Praça foi tantas vezes campeão estadual, campeão brasileiro. Ainda podemos colocar aí o Ronald, que foi campeão brasileiro e campeão estadual várias vezes. Só para citar esses quatro.
11 – Quem mais estaria nesta prateleira?
Outros grandes jogadores que não têm conquistas tão expressivas quanto os quatro que citei. O Bandini é um jogadoraço, talentoso, com técnica absurda. O próprio Juninho (Maia Jr), do Fluminense, também está nesse patamar… Não sei se tem mais alguém, posso estar cometendo um equívoco, mas destacos esses seis craques. Além do meu amigo Regis, do America, talvez a maior lenda do esporte.
12 – Então em qual prateleira você está?
Acho que em uma segunda prateleira, embora seja uma afirmação um tanto quanto otimista (risos). E, claro, ao lado de muitos jogadores, como Tarouca (Vasco), Cleciano (Vasco), Aires (Fluminense), André Santos (River), Marcinho (River), Romar (River), Macieira (America), Zé Augusto (America), Belga (Flamengo), Ricardo Mendonça (Flamengo), Lucas Mendonça (Flamengo), Sarti Neto (Flamengo), Malvar e Mello (Liga Fonte) e tantos outros. Essa segunda prateleira hoje é muito grande. O futebol de mesa está em uma evolução absurda, com muita gente jogando bem demais.
13 – Você teve várias experiências nas principais agremiações do futebol de mesa carioca. Quais mais lhe marcaram?
As do Tijuca Tênis Clube, principalmente nos Brasileiros de 2014 e 2016. Mas tem uma marcante em 2019, quando fomos vice-campeões da Copa Rio, no formato 4 x 4. Apesar de termos perdido o título, foi uma conquista especial. O Tijuca vivia uma entressafra, os campeões quase todos haviam saído, e tínhamos um time muito enxuto. Perdemos o título para o America, mas ficamos à frente de Fluminense, River e Vasco. Foi uma conquista especial, pois entramos na competição sem nenhum favoritismo e conseguimos esse vice-campeonato. Outro momento marcante foi quando eu voltei para o Vasco, clube do meu coração, e logo na primeira competição por equipes, em Búzios, conquistamos o título de uma Copa do Interior. Foi muito bacana, com um grupo de amigos, muito coeso, que bateu grandes adversários, como o Zico 10, montado para ser campeão, mas conseguimos batê-los.
14 – Alguma situação negativa nesta trajetória?
O fim da ASBAC, após termos disputado nosso primeiro campeonato de equipes. Esse meu amigo Cacá e o pai dele ficaram desgostosos e encerraram o projeto. Foi um momento muito ruim, pois eu estava começando a jogar como federado, naquela empolgação e fiquei meio perdido, sem saber para onde eu iria, se deixaria de jogar futebol de mesa. Foi um momento de tensão. Outro momento negativo foi parecido com esse, quando eu estava na Lafume, que fez uma campanha sensacional nos primeiros cinco meses de filiada à Fefumerj, e acabou. Uma pena. Sou muito grato à Lafume, foi uma experiência maravilhosa ter jogado lá, mas realmente ter durado tão pouco tempo foi uma experiência ruim. A gente tinha tudo para durar mais e infelizmente o projeto não foi adiante.
15 – Mas os Brasileiros têm mais peso?
Com Certeza. Em 2014, também entramos na competição sem favoritismo algum. A gente tinha três novatos (eu, Paulinho e Aires), que haviam voltado a jogar há apenas três anos, e um dinossauro, que era o Gil, mas, devido à união da equipe, conseguimos grandes resultados, principalmente na semifinal, contra o Flamengo, que tinha uma seleção: o Allan, um cracaço que parou de jogar cedo, o Brayner, Bruno Romar e Ronald. A gente ganhou de 4 a 0 essa semifinal, foi muito marcante. Na final, encaramos o River com a vantagem do empate. O jogo foi 1 a 1 e uma vitória minha sobre o Bathera garantiu o primeiro título brasileiro do Tijuca. Em 2016, também sem nenhum favoritismo, o Paulinho tinha saído e veio o Alex Lage para se juntar a mim, ao Aires e ao Gil. Na fase final, derrotamos as principais equipes e ganhamos o bicampeonato. Foi uma felicidade imensa, talvez até maior que a de 2014, porque nosso grupo estava muito enxuto. Em 2014, tínhamos um grupo sensacional, com Salada, Marcelo Mendes, Pitico, Macieira (pai) e o Rodrigo Macieira (pequeno ainda). Essa galera toda no banco. Era uma equipe sensacional, fantástica. Em 2016 a conquista ainda foi no salão do Tijuca Tênis Clube, o que tornu a conquista ainda mais especial.
16 – Como você avalia o futebol de mesa carioca (na regra dadinho) atualmente? Positiva e negativamente?
O futebol de mesa do Rio de Janeiro, hoje, na regra dadinho, é dominante no país. Os primeiros colocados nas competições nacionais praticamente são todos daqui. Na fase final tem poucos atletas de fora do estado. O esporte aqui é jogado com uma excelência absurda, precisão dos atletas, o nível de comprometimento, a dedicação deles, a motivação de todo mundo hoje é muito grande. Existem vários torneios toda semana, tirando a sexta-feira, com muitos lugares para se jogar. Quase sempre com salas cheias, o que mostra que a pratica do dadinho no Rio está em alta. São mais de 200 atletas federados, um número recorde, jogando em clubes de camisa como America, Botafogo, Flamengo, Fluminense, Vasco, além de outras tradicionais do futebol de mesa, como o River. Ainda temos o Olaria e o São Cristóvão, o que é muito bacana, pois são clubes muito tradicionais no Rio. Há, também, ligas independentes se federando, como a Lafume, que voltou ao circuito, a Liga Fonte. Estamos no auge do dadinho hoje no Rio.
17 – Algum senão neste cenário tão favorável?
Não vejo nada alarmante. Talvez uma situação negativa seja a estrutural, por conta do gigantismo que a modalidade atingiu hoje. Para se fazer um evento abrigando tamanha quantidade de atletas em um mesmo local talvez fosse necessária uma estrutura melhor e maior, que hoje ainda não temos. Mas eu sei que o VP Renato Oliveira está procurando a excelência nisso aí também.
18 – O que você espera em relação ao futuro do esporte?
Que continue em franca evolução, que os atletas continuem cada vez mais motivados, cada vez mais dispostos a praticá-lo, que haja uma estrutura melhor para abrigar tantos atletas e que tenhamos mais crianças jogando. Trazê-las para o futebol de mesa é uma tarefa hercúlea, pela concorrência que existe com jogos online e da própria criança estar com seus pares. Que elas venham para poder perpetuar o esporte como competição e como atividade lúdica também, que é o mais importante. Espero que o esporte também consiga trazer mais confraternização entre as pessoas, que, apesar de ser uma competição, sem árbitros, cada jogador saiba que ele não consegue estar na mesa sem o outro. Então que exista o máximo respeito possível entre as pessoas que estão jogando. A gente sabe que isso já existe, mas queremos que tal pensamento se consolide cada vez mais.
Texto: Alysson Cardinali | Diretor de Comunicação Dadinho | FEFUMERJ