O MITO ACIMA DO HOMEM

Dia 21/07/1974, a Copa do Mundo da Alemanha havia acabado há duas semanas e meu tio, sabendo a minha motivação pelo futebol, me levou para ver a estréia do Vasco da Gama no quadrangular final do Campeonato Brasileiro daquele ano. Eu tinha quase 12 anos e não entendia muito nem sobre o futebol e nem sobre a vida e creio que não progredi muito nesses últimos 48 anos. Entretanto, mesmo um menino ingênuo como eu era, e de certa forma continuo sendo, podia perceber que estava diante de um dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos, alguém obviamente diferenciado. Lembro-me que todas as vezes que o Pelé dominava a bola e partia para cima da defesa do Vasco da Gama o medo e a admiração tomavam conta de mim. Era alguém muito acima dos demais que estavam em campo que eu estava a olhar. Era evidente a sua força física e a sua capacidade técnica. Quando ele tabelava com o Claudio Adão em alta velocidade, o desespero tomava conta de mim.

O Vasco da Gama estava vencendo por 1 a 0 quando, faltando cerca de15 minutos para o final da partida, foi marcada uma falta na entrada da área vascaína. O encarregado da cobrança não poderia ter sido outro e, sendo ele, o resultado tampouco. Pelé desferiu um potente chute no ângulo esquerdo do argentino Andrada, sobre quem o Rei do Futebol havia marcado seu milésimo gol em 1969. Mais ou menos 13 minutos depois, o Vasco da Gama virou a partida. Em uma cobrança de escanteio despretensiosa o então jovem Roberto Dinamite aproveitou-se da falha de marcação da zaga santista e dá números finais ao placar. Ironia do destino pois a doença acomete Roberto e faz com que ele lute bravamente para se manter vivo é a mesma que nos tirou o maior ídolo do nosso esporte rei. Esse foi seu último gol em um campeonato brasileiro e seu último gol oficial no Maracanã. Até hoje eu agradeço ao meu falecido tio por ter me proporcionado o prazer desse momento inesquecível e de poder recordá-lo.

Três anos depois, à frente da televisão colorida da casa da minha tia, vi sua despedida dos gramados, jogando o primeiro tempo com a camisa do New York Cosmos e o segundo com a do Santos. Desta vez, ainda na primeira metade, mais um gol de falta empatando a partida e mais uma derrota por 2 a 1. Como eu poderia perder esse outro momento?

Pelé foi, e creio que continuará sendo, o maior jogador de todos os tempos. Há declarações dos seus rivais na internet que são uma delícia de ver. Hugo Gatti, Roberto Perfumo, Giani Rivera, Bob Charlton, Alfio Basile, Ricardo Bochini, Atilio Ancheta demonstram todos o seu respeito e admiração pelo grande atleta e suas virtudes futebolísticas. Os jogaram contra e ao seu lado todos compartilham as mesmas declarações. A admiração de Roberto Rivelino por Pelé é tocante de assistir.

Creio que não é hora de falar do homem. Como ser humano Edson Arantes do Nascimento era falho, da mesma maneira que todos nós somos. O mito está acima do homem. Morreu o homem mas o mito Pelé é eterno.

Texto: José Carlos Cavalheiro