ENTREVISTA COM O EX-PRESIDENTE FLAVIO CHAMMAS

José Carlos – Conte um pouco da sua história no futebol de mesa. Como começou e como foi para o jogo oficial.
Flavio Chammas – Sou mineiro de Juiz de Fora, e até uns 14/15 anos, jogávamos com amigos, fazendo os campeonatos. Nunca gostei de jogar sozinho. Como tricolor, meu centro avante foi o Waldo, e os botões eram os de roupa, as tampas de relógio, goleiros de caixa de fósforo, com pilhas ou chumbo derretido dentro. Nome nos botões eram recortados de jornais ou revistas, assim como escudos. Falamos aqui de 1950/60. Sempre joguei futebol, razoavelmente, e ao crescer, me dediquei ao futebol direto, até que o joelho me aposentou. Tanto gostava do futebol, que tínhamos time na empresa, jogávamos os campeonatos chamados classistas, quando fui campeão classista do Rio x São Paulo, os torneios de pelada do Aterro, do extinto Jornal dos Sports. Até juiz de futebol formado na FFERJ fui, mas parei, pois gostava mais de jogar. Aí conheci o Bola &Botão no Tijuca e voltei aos “gramados do futmesa”. Me enturmei e começamos dali a reorganizar a federação, já que existiam duas no estado.

José Carlos – Como foram suas passagens pelo Itaipava, Petropolitano e Fluminense?
Flavio Chammas – Eu já tinha uma loja em Itaipava, no Shopping Vilarejo, especializada em cutelaria (facas, espadas, canivetes, etc.). Aproveitando o conhecimento com o pessoal da regra 12 toques, implantei no shopping um outro “Bola& Botão”, no mesmo estilo, com mesas e material para o pessoal jogar, além de vender também. Em razão dessa abertura, contatei um fabricante local, a Frandian Botões, e conhecemos o Luiz Carlos, da hoje Mesas Olliver, bem no seu início. Aí resolvemos depois fundar um time lá de cima, o Itaipava Futmesa, para disputar os campeonatos. Como havia uma ideia de filiarmos à Federação clubes importantes que já existissem, deu-se a entrada do Petropolitano, clube local de muita importância. No Fluminense, clube de coração, foi como o Reynaldo Antunes colocou. A ideia era termos os maiores times do Rio na Federação, e o Tricolor foi receptivo, o que nos levou a fundação da equipe. Eu jogava junto com o pessoal no Santa Doroteia.

Um fato engraçado foi que para sermos socio atleta, tínhamos que passar por exames médicos junto ao departamento. Quando fui fazer o meu, o doutor olhou bem para o “atleta”, cabelos grisalhos, uma “barriguinha” para ser modesto, e mesmo sem que ele perguntasse, eu me adiantei e detalhei o esporte a ser praticado, o que foi motivo de boas risadas. Conseguiu-se a sala, trabalhamos muito, e virou o que é hoje, uma potência no futmesa brasileiro. Outro fato importantíssimo, principalmente para quem é tricolor, além de vestir a gloriosa camisa (nunca vesti de outro clube de futebol) foi ganhar internamente algum título, e receber os troféus no Salão Nobre, palco de inúmeros e importantíssimos fatos do esporte nacional. Cheguei a começar a montar coisas para um possível museu do jogo de botão, virtual que fosse, mas desisti.

Doação de material de futmesa ao Friburguense

Há algum tempo, peguei tudo que tinha de botão e material, e fiz uma doação ao Fernando Cruz, que faz um trabalho seríssimo de apoio e desenvolvimento do jogo de botão em Friburgo. Não conheço outro no Brasil, tão serio e ativo como o dele. Se tivéssemos mais Fernandos, o jogo seria maior e melhor.

José Carlos – Você teve participação decisiva no processo de incorporação da Federação Botonista do Estado do Rio de Janeiro (FEBOERJ) pela Federação de Futebol de Mesa do Estado do Rio de Janeiro (FEFUMERJ). Poderia nos contar um pouco dessa história?
Flavio Chammas – Sou advogado de formação, e por me interessar sempre em organizar e participar, me especializei bastante no chamado Direto Desportivo. Passei então a me dedicar à organização do futmesa no estado, onde existiam duas federações, o que é incompatível com a legislação desportiva. No ano de 2002, já depois de organizarmos melhor a Federação, fomos a Santos disputar o primeiro brasileiro de 12 toques, como uma equipe da Federação do Rio. Obtivemos o apoio da Federação Paulista e da Paranaense, que eram as dominantes na modalidade 12 toques. Conseguimos vagas para vários atletas, nas categorias disputadas, juvenil, adultos e máster (joguei na categoria máster, e a sensação de disputar um brasileiro é indescritível). Lá vimos a organização do campeonato, participamos muito ajudando, e olhando tudo, ao retornarmos nasceu a ideia de promovermos um brasileiro aqui no Rio. Tivemos o primeiro campeão fora de Paraná e São Paulo, que foi o Rodrigo Pedreira nos juniores e se não falha a memória, com o Reynaldo Antunes fazendo a final da categoria máster. Todos nossos atletas jogaram uniformizados pelo seu clube de filiação na FEFUMERJ, ou seja representaram seus clubes num brasileiro.

Nasceu aí uma das ideias de organizarmos tudo com os atletas representando seus clubes, e que passassem a jogar todos uniformizados igualmente, ou seja camisa, calção ou calça, iguais para todos, e não se permitiu mais jogar de chinelos ou sem calçado. Fizemos um calendário anual, com as competições todas programadas com antecipação, datas definidas, etapas nomeadas para identificação, premiação e locais
definidos. Com as dificuldades de transporte das mesas e organização nos clubes, conseguimos a AABB Tijuca, por meio de locação, e ao promovermos o Campeonato Brasileiro Individual de 2004, adquirimos mesas para a Federação, o que nos permitiu realizarmos as etapas todas num só lugar, e em salão refrigerado, o que permitia a melhor prática do futmesa, sem que o suor dos atletas ficassem “sujando” a mesa, atrapalhando mesmo o jogo.

Fizemos o primeiro Código Disciplinar, com organização, obrigações, e principalmente as punições, até pecuniárias, o que definitivamente organizou o futmesa no estado. E que serviu de modelo para as demais federações, que tomaram o nosso como modelo e base.

Voltamos a Blumenau em 2003, já mais organizados, preenchemos todas as vagas do estado, e levamos mais alguns aficionados, que foram juntos e com desistências, sobraram vagas e conseguimos encaixar mais alguns.
Pleiteamos no congresso a realização do primeiro brasileiro fora de São Paulo/Paraná Para isso era necessário regularizarmos o estado junto à Confederação Brasileira de Futebol de Mesa (CBFM). Para tal, com a promoção do Campeonato Brasileiro de 2004 aqui no Rio de Janeiro, conseguimos trazer o presidente em exercício à época, Jomar Moura, e nos reunimos no America, local do campeonato, juntamente com os membros responsáveis pela outra Federação existente (FEBOERJ).

O presidente da FEFUMERJ era Roberto Rocha, jogador da modalidade 3 Toques, e após um acordo de cavalheiros, se conseguiu a unificação e se tornou então a FEFUMERJ, mais antiga, a única no estado. Assumiu então Milton Pedreira, dirigente do America, e partimos dai para a FEFUMERJ de hoje.

Aqui me permito falar sobre a realização do primeiro brasileiro de Bola 12 Toques realizado com mesas novas, em salão refrigerado, o que se tornou uma referência para os próximos. Eu, Milton Pedreira e Jorge Paulo montamos a estrutura toda de quinta feira a noite até sábado que era a estreia, pois o salão do America só podia ser liberado depois do baile de quinta-feira.

Montando mesas, acho que umas trinta, dividindo o salão com as marcações, os boxes ao lado para os fabricantes venderem, fazendo gambiarras para melhorar a iluminação, enfim organizar bem já que era o primeiro fora do antigo eixo. Nos dando ao luxo de colocar mesas foras das dos jogos, mesas estas que podiam ser usadas para treinos e “aquecimentos dos atletas”, já que as mesas de jogo não podiam ser usadas. Foi considerado à época, o melhor brasileiro de Bola 12 toques dos já realizados, pelas mesas, organização, premiação, e por permitir aos botonistas jogar sem ter que enxugar mesas toda hora. Virou padrão. Importante lembrar a figura do saudoso Edu Henrique que era quem cuidava da organização técnica, ou seja, as tabelas , sorteios e chaves, pois detinha o programa. E sem o qual não poderíamos fazer nada. E fizemos os campeões juvenil (Gabriel Adão) e adulto (Lucas Assumpção), passando daí a mostrar a força da Bola 12 Toques carioca.

Fizemos outro em 2009, melhor ainda. Até brindes sorteamos entre os jogadores. Depois disso “pendurei as palhetas

José Carlos – Qual foi o seu papel na elaboração do Estatuto da FEFUMERJ e na legalização da entidade?
Flavio Chammas – Como disse, por ser advogado e entender da área, me propus a reorganizar tudo, desde estatuto até os regulamentos e códigos disciplinares, que sem falsa modéstia, serviram de base para as demais federações, já que não havia nada oficializado na área. Inclusive nosso primeiro código disciplinar aplicava sanções pecuniárias, que depois
descobrimos serem incompatíveis com esportes amadores. Mas fizemos o código, prevendo a grande maioria das infrações possíveis, com as
penalizações compatíveis, o que serviu para colocar bastante regramento na prática do futmesa. Ao mesmo tempo, refizemos todo o estatuto em acordo com as novas determinações do Código Brasileiro de Justiça Desportiva CBJD, enquadrando a modalidade dentro da legislação, com o consequente registro oficial.
Fomos a primeira federação a ter um, Tribunal de Justiça Desportiva (TJD), em acordo com as determinações do CBJD. Tornava-se também com isso, a necessária a readequação do estatuto da CBFM, concluído posteriormente, da qual também participamos, e que se encontram legalmente ativo atendendo às determinações legais existentes.

Presidentes Milton Pedreira, Claudio Pinho e Flavio Chammas

José Carlos – Você ocupava o cargo de vice-presidente da federação e com a saída do Milton Pedreira passou a ser presidente. Quais foram seus maiores desafios nesse período?
Flavio Chammas – Foi conseguir que fossemos a primeira federação a praticar e disputar todas as modalidades oficiais no Brasil. O que não foi difícil já que tínhamos todas jogando no estado, e de forma organizada.
Elas se enquadraram nos códigos , no estatuto, e seguimos sendo pioneiros.
Aí veio o principal, que foi oficializar a modalidade Dadinho. Existiam as diferenças de regras, em número de toques e outros detalhes, e fomos apoiando o Ronald Neri, com quem tive mais contato (sei que tinham outros), aparando as arestas com os “ciúmes” de alguns. Feitos os trabalhos iniciais, com a regra definida, restou trabalhar junto a CBFM, e conseguindo o número mínimo de federações estaduais que praticassem a modalidade, o que foi conseguido com os contatos com outros presidentes.

Ronald Neri e José Farah – oficialização da modalidade Dadinho

Em 2011 se conseguiu a oficialização, junto ao José Farah, presidente da CBFM. E novamente pioneiros, a FEFUMERJ praticava e disputava todas as modalidades oficiais. Acho que, sem falsa modéstia, sou uma espécie de “padrinho” da modalidade. Até tentei jogar , mas não segui em frente.

José Carlos – Você teve uma participação ativa na indicação do Claudio Pinho para presidente da FEFUMERJ. Por favor, nos conte um pouco sobre esse processo.
Flavio Chammas – Exercer um cargo de presidência de uma federação “amadora”(sem receita/patrocínio), qualquer que seja ela, só trás ônus, nenhum bônus. Todos os “pepinos”, de todas as modalidades desaguam na presidência. Para isto é preciso ter muita paciência e qualidade de ouvir, entender e decidir. Conversei com o Cláudio, informei a ele sobre tudo, conversamos bastante, nos tornamos amigos, e hoje a federação só tem a agradecer ao Cláudio o excelente trabalho realizado. É um nome a ser lembrado e homenageado, assim como alguns outros, que sempre
trabalharam em benefício do esporte.

Importantíssimo falar no Luiz Carlos Oliveira, das Mesas Olliver, que assumiu as finanças da federação, e desde então estivemos sempre organizados, nos dando ao luxo de em algum período, emprestarmos dinheiro para as modalidades se desenvolverem. O Luiz faz “mágicas” com a grana, além de fabricar uma das melhores mesas do Brasil. Jogar é muito bom, ganhar melhor ainda, mas cuidar e organizar não é para todos.

Claudio Pinho e Flavio Chammas

José Carlos –Atualmente, mesmo não fazendo parte da Diretoria da FEFUMERJ, você continua ativo na federação. Nos conte sobre sua atuação na criação do Tribunal de Justiça Desportiva e sua participação como membro.
Flavio Chammas – Como disse, acabei me interessando e estudei bastante. Fomos a primeira da área a ter o TJD em acordo com a lei. E mais uma vez modelo para as outras todas , inclusive CBFM, sem falsa modéstia mais
uma vez. Dificuldades para ter o número, mas com amigos fora da modalidade e outros apoiadores, conseguimos. Pode não parecer importante, mas a legalização completa da Federação, atendendo a
todos os dispositivos vigentes, nos permitiria até recebermos via imposto de renda, doações dedutiveis do imposto de pessoas físicas e jurídicas.

José Carlos – Você continua assessorando a federação em diferentes aspectos jurídicos. Conte um pouco sobre isso.
Flavio Chammas – Sou amigo do Claudio, membro do TJD e ajudo no que for preciso. Conheço bem da área.

José Carlos – Suas considerações finais.
Flavio Chammas – Vou aqui levantar uma tese, na qual acredito ser a maior dificuldade do nosso esporte. Nós temos a de 1 TOQUE, e dentro dela, o liso e o cavado. Temos a PASTILHA. Nós temos a BOLA 3 TOQUES e e BOLA 12 TOQUES. Nós temos o DADINHO (bola quadrada). Nós temos as variantes em estados, as regras próprias (peladas e campeonatos individuais). Temos regras e modelos internacionais diversos. Daí a nossa dificuldade de formar um esporte que tivesse apelo e apoio da mídia.

Hoje se você perguntar a um repórter ou jornalista esportivo sobre futebol de mesa, qual o esporte que ele vai apresentar? Pergunto e respondo: É aquele em que os jogadores de futebol praticam em uma mesa grande com uma bola de futebol. Façam o teste, raros saberiam que é o jogo de botão que muitos já praticaram. Dai minha tese de que deveríamos mudar o nome para FUTEBOL DE BOTÃO: Federação de Futebol de Botão do Estado do Rio de Janeiro e Confederação Brasileira de Futebol de Botão. Mas isso fica para quem estiver a frente delas. Mas deveria ser pensada.

José Carlos – Flavio. Muito obrigado por ter aceito conceder essa entrevista ao nosso site.