A PRIMEIRA E INESQUECÍVEL CONQUISTA DE PAULINHO QUARTARONE
Mesmo sete vezes campeão carioca (2012-13-14-16-17-18-23) e campeão da Copa do Brasil de 2017 – entre outras conquistas –, o obstinado Paulinho Quartarone não se dava por satisfeito. Afinal, ainda faltava o cobiçado título do Brasileiro Individual na regra Dadinho 9 x 3. Por cinco edições, ele esteve muito perto de realizar tal sonho (foi vice duas vezes, uma vez terceiro e duas vezes quinto colocado). A ausência deste precioso troféu em sua prateleira, de certa forma, o incomodava. Não incomoda mais. Quis o destino, com a anuência dos Deuses do futebol de mesa, que o craque do Fluminense, aos 55 anos (15 deles dedicados com afinco ao esporte), enfim, subisse ao degrau mais alto do pódio no maior Brasileiro da história, disputado nos dias 19 e 20 de outubro, no Clube Monte Sinai, na Tijuca, aprazível bairro da Cidade Maravilhosa, sob a concorrência de outros 191 botonistas em uma competição com a presença recorde de 28 agremiações de 11 estados fora do Rio de Janeiro. Com a mesma precisão de quem obteve 21 vitórias, três empates e sofreu apenas duas derrotas, fez 99 gols e sofreu 41, Paulinho revela, ao Mundo Botonista, como foi sua epopeia até a histórica e inédita conquista.
MB: Vamos começar pelo fim: zerou o jogo no futebol de mesa? O que mais falta para você após ter conquistado o Brasileiro, o último troféu que ainda buscava em sua vasta coleção?
Eu me cobrava muito e sei que o nosso mundo também cobrava. Eu vivo de motivação. O (Michael) Jordan (astro da NBA) criava fakes de adversários contra ele para se motivar. Acho que também criei os meus (risos). Se o termo é zerar, eu zerei. Mas não posso parar por aí, preciso de novos fakes.
MB: Alguns dias após a façanha inédita, a ficha já caiu? O que representou para você quebrar esse jejum e entrar para a história, também, como campeão brasileiro?
Quero aproveitar esse momento ao máximo. Sei o peso dessa conquista e quero mesmo é que a ficha caia várias vezes. É como se eu tivesse tirado 40 sacos de cimento das costas, uma alegria sem medida e a sensação de que tudo é possível quando desejamos algo com amor, sinceridade, fé, respeito e trabalho.
MB: Como avalia sua campanha no Brasileiro?
Eu fiz um primeiro dia (sábado) muito bom. Sabemos a importância da vantagem do empate. Então joguei cada partida como se fosse uma final. Mas abri o domingo inseguro. Nos primeiros três jogos, fiz somente cinco gols e sofri uma derrota. Se eu não melhorasse, o sonho acabaria ali. Para piorar, percebi que eu alternaria mesas novas e velhas até acabar a fase.
MB: E como você mudou tal quadro?
Aproveitei a folga para ajustar o mental. Também troquei de time, pois seria mais fácil ajustar um time novo às mesas, e consegui embalar em seguida. A partir daí, fiz uma campanha que só não me daria a vantagem do empate em uma hipotética final contra o Lucas Mendonça. Isso é muito importante. Nos ‘matas’, tive jogos difíceis demais, mas eu tinha o conforto do empate e sabia que precisaria disso em algum momento. E esse momento foi na semifinal. Juninho vinha de vitórias sobre Ronald, Bandini e Lucas, três favoritos ao título. Ele abriu 2 a 0 rápido contra mim. Então, a carta na manga chamada ‘vantagem do empate’ foi usada ali.
MB: Podemos dizer que esse encontro com o Juninho foi o jogo mais difícil?
Pelas circunstâncias, sim. Depois que ele fez 2 a 0, fiquei atordoado por cinco minutos, como se estivesse em estado de pré-nocaute. Eu não sabia como fazer para pará-lo. Mas ele não me matou e então eu consegui o quase milagre do empate. Eu relaxei, esperei o ímpeto dele baixar ao perceber que eu estava perto do nocaute, e deu certo no final. Quem viu a final do Estadual que fiz com ele, ano passado, sabe a capacidade que ele tem.
MB: Como você define a final contra o Belga e o placar do jogo, um 9 a 2 raro em decisões?
Fui muito feliz na final, um jogo que tende a ter menos gols, justamente porque os atletas jogam mais nervosos e mais lentamente. Então, é preciso elevar o aproveitamento. Se não me engano, dei 14 chutes e fiz nove gols, ou seja, um aproveitamento de 64%. Foi um momento feliz.
MB: Ganhar Fla-Flu (inclusive nas mesas) é normal?
Como diria o inesquecível e formidável Assis: ‘é normal, com todo respeito’.
MB: Podemos dizer que essa final foi o jogo que mais te marcou ao longo da competição?
Sim, afinal tudo deu certo. Considero meus três primeiros gols com um nível elevado de dificuldade. O primeiro, de longe, com dado chapado. O segundo com o botão afastado do dadinho e espaço pequeno para entrar. O terceiro com o dadinho chapado, apontado para fora. Isso me deu uma segurança absurda para o restante da partida.
MB: Aliás, qual o segredo para fazer 99 gols em 26 partidas e vencer 21 delas?
Eu sou um estudioso contínuo quando a assunto é chute a gol. Tenho aprimorado novos chutes como, por exemplo, quando o botão está um pouco mais afastado do dadinho. Isso tem contribuído. Fiz muitos gols dessa forma nesse Brasileiro. Também gosto de dar volume ao jogo. Quanto mais você acelerar, mais vezes você irá chutar na partida. A estatística e a lógica não falham: quanto mais vezes você chutar, mais chances de fazer gol você terá. O segredo, então, é treinar, estar atento sempre à posição do dadinho e dar volume ao jogo.
MB: E você fez quase 100 gols tendo um adversário extra, que foi o descolamento de retina pouco tempo antes da competição…
Há 25 dias comecei a ver pontos pretos do lado esquerdo. Não dei bola. Achei que passaria. Não melhorou. Fui ao médico e no exame foi visto um rasgo na retina. Precisei fazer um procedimento às pressas com laser. Os pontos pretos continuaram, mas meu cérebro já se acostumou a não dar bola para eles. O importante foi não ter deixado o problema evoluir. Acho que os pontos pretos se transformaram na minha mira laser para fazer os gols (risos).
MB: O que você levou para as mesas, especificamente neste Brasileiro, que fez a diferença para concretizar o título inédito?
Acho que foi o Brasileiro para o qual eu fui com menos expectativas. Sabia o quanto seria difícil. Então me cobrei menos e consegui chegar à final menos ‘sequelado’ dessa vez.
MB: Quais lições você tirou das outras cinco vezes em que bateu na trave, com dois vices, um terceiro lugar e duas quintas colocações?
Lembro de cada eliminação: nos vices, empate com o Brayner e derrota para o Ronald. No terceiro lugar, derrota para o Lage. Nos quintos lugares, derrotas para o Cola e o Lucas. Em cada jogo desses tirei uma lição. Na final com o Brayner, por exemplo, negligenciei a vantagem do empate quando, já classificado, fiz uma última partida da última fase de grupos totalmente desfocado. Ao perder essa partida, o Brayner passou a ter a vantagem do empate em um eventual confronto comigo nas fases finais. E a final foi 3 a 3.
MB: Como você avalia o nível de um Brasileiro que reuniu 192 botonistas de 12 estados do país?
Foi um campeonato com pelo menos 40 postulantes ao título. Quando restaram oito, qualquer um que ganhasse seria inédito. Isso mostra a evolução do nível do futebol de mesa praticado atualmente.
MB: Além do dom, qual o segredo para ter tamanha regularidade e conquistas nas mesas?
O jogo é assim: tomar a decisão correta e executá-la corretamente. Então, temos nitidamente duas etapas, que são planejamento e execução. Muitas vezes planejamos certo e executamos errado. Nesse caso o treino vai ajudar. Se pensamos errado e executamos certo, o remédio é abrir a cabeça para novas formas de ver o jogo. Para ambas situações, o dom vai calibrar até onde você poderá ir.
MB: E sempre focado no chute?
Eu realmente me ocupo em pensar o jogo constantemente, principalmente quando o assunto é o chute. Uma coisa que me ajudou muito, por incrível que pareça: foi não me ocupar em melhorar a preparação do dadinho para o chute. Eu gosto de chutar os dadinhos em situações não tão boas. Sempre gostei. Isso me deu um repertório muito bom quando o assunto é chute.
MB: Como você trabalha e alia as questões envolvendo as partes técnica, física e mental?
Eu já não sinto necessidade de treinar como antes. Acho que a questão agora é chegar bem equilibrado emocionalmente às competições. Talvez, atualmente, o meu ponto a ser trabalhado é o físico, porque o tempo não para e estou à beira da terceira idade (completou recentemente 55 anos).
MB: Como você lida com a pressão de estar entre os “alienígenas” do esporte e o fato de ser um exemplo para tantos botonistas?
Seguir competitivo me motiva demais. Mas, no fundo, de nada adiantaria estar entre os melhores e não ser visto como um bom exemplo de esportividade, respeito ao adversário e lealdade ao esporte.
MB: Qual sua próxima meta no futebol de mesa? Como se manter com ambição e motivado para seguir adiante?
Quero ainda brigar pelos estaduais este ano (equipes e individual). Está muito difícil chegar, mas quem disse que seria fácil? Quero ter saúde para jogar bem por mais uns dez anos.
MB: Qual conselho daria para quem deseja se federar e obter bons resultados?
Hoje quero falar de perseverança. Então, meu conselho é que busquem entender que cada qual tem seu tempo. Não desistam nas primeiras dificuldades. Não queiram resultados imediatos. Treinem, conversem, tirem dúvidas, resenhem, mas não desistam.
MB: Como você define o homem e o craque Paulinho Quartarone?
Minhas crenças me levam a me ver como um ser em busca de evolução. Estar atento aos meus pontos de melhoria e buscar, realmente, essas melhorias é o que tem dado sentido à minha vida. No futebol de mesa eu sou a mesma coisa, ou seja, alguém que quer ir seguindo em evolução.
MB: A quem você dedica o título do XV Campeonato Brasileiro Individual de Dadinho?
Eu gostaria de agradecer a todos que legitimamente torceram para mim nessa jornada. A todos que vieram me abraçar. A todos que vieram reconhecer que era chegado o meu momento. Ao Belga, pela elegância ao final do jogo. Ao Regis, pelas palavras de reconhecimento. Ao Victor Praça, pelo abraço sincero de um grande favorito. Ao Nine, pela incrível mensagem quando eu, deitado, me preparava mentalmente para o jogo. Ao Adriano, que desde o começo enxergou um potencial que eu nem sabia que tinha. Ao Aires por ter me inspirado a começar essa história de futebol de mesa. Ao Baruque, por ter me acolhido em sua loja em uma manhã de sábado em 2009.
MB: Essa lista está curta, tem mais alguém? (risos)
Tem. Ao César, que no sábado propôs ganhar a minha camisa caso eu me sagrasse campeão (a camisa é sua meu camarada). Ao Almo, pelo apoio nas jornadas finais. Ao Maninho Saraiva pela mensagem motivacional às 6h30 da manhã de sábado. Aos amigos queridos do Fluminense por serem fontes de inspiração e irmandade e que me motivam a seguir evoluindo para acompanhá-los. Ao querido Edgar Vivart pela torcida e pelo presente ao final. Ao Paulão e ao Pitico, meus ‘coaches’. Ao Odair pelo simples “boa sorte” no sábado. Ao Marcel, que na última rodada da terceira fase me transmitiu palavras incríveis e encorajadoras. São tantos, que preciso parar por aqui. Mas os não citados sabem que jamais esquecerei.
Entrevista concedida pelo atleta Paulo Quartarone ao Diretor de Comunicação da Fefumerj — Alysson Cardinali — publicada no Portal Mundo Botonista