COMO É UM TORNEIO FEMININO DE FUTEBOL DE BOTÃO EM SP
No último domingo, 27/10/2019, a bartender Vanessa Quattrucci, 40, e a engenheira Juliana Bonassi, 33, estavam nervosas no balcão do Arquibancada Botões Clássicos, bar e ponto de encontro de fãs de futebol de mesa. É que apesar de estarem sempre no local, elas se preparavam para estrear com a palheta na mão no primeiro torneio feminino do bar. “Caprichei na maquiagem porque hoje é um dia especial. Estou até suando”, brinca Vanessa, que administra o local com o marido e criador da marca Botões Clássicos, Luciano Araújo.
O casal decidiu fazer o torneio como uma ação para o Outubro Rosa, mês da conscientização e prevenção do câncer de mama.
Luciano, que é designer e desenha times para competições em mesa, diz que o evento é uma forma de incentivar as mulheres a participar dos jogos. “Futebol já é um ambiente bem masculinizado, mas o de botão é ainda mais, é muito clube do bolinha. Então, por mais que a gente não faça restrições para que mulheres e crianças se inscrevam nos torneios, elas ficam meio tímidas”, explica. Uma das razões seria a intensidade da paixão dos jogadores. “Eles não têm paciência de explicar todas as regras para quem está começando.
Filha de jogador de botão e casada com outro, Juliana Bonassi sabe bem como é isso. Frequentadora do bar há um ano e meio, ela já jogou algumas vezes, mas ri ao contar que o marido não costuma ser muito bom professor quando ela faz perguntas. “É muito detalhe e, ainda por cima, mistura com as regras do futebol propriamente dito. Precisa ficar contando quantos toques damos na bola, quando é falta. É bastante coisa”, conta Juliana. A engenheira disse que estava no torneio só para brincar, mas gostaria de conquistar pelo menos o vice-campeonato. “É que eu corneto demais o meu marido e foi o mais longe que ele já conseguiu.”
Aquecimento
Por volta das 13h, mais jogadoras e familiares começam a chegar ao bar no bairro da Pompeia, zona oeste de São Paulo. Dá para ouvir algumas brincadeiras que normalmente são direcionadas ao futebol feminino. “Vai ter campo reduzido?”, pergunta Luiz Carlos, o Schalke. Ele é respeitado no local por causa de sua habilidade com a palheta (o “instrumento” que conduz o botão), tanto que logo sua mulher, a professora aposentada Sandra Maria Romualdo, 58, é apontada como “a favorita” ao título. “O Schalke é uma lenda, ele tem um quarto só para o futebol de botão, então estamos com muita expectativa”, disse Luciano.
Participante mais velha das 16 inscritas no torneio, Sandra é, no aquecimento, uma jogadora aplicada. Ela presta atenção às dicas do marido e às melhores táticas para conseguir um bom lance. “Ele faz cada jogada que dá gosto de ver”, fala. Apesar do “santuário” ao esporte que tem em casa, a professora diz que nunca jogou botão. “Não tenho tempo para treinar”, afirma. De futebol, mesmo, ela não gosta tanto, porém curte ouvir Schalke contando histórias de times e jogadores. “E fiquei animada quando falaram que poderiam criar uma liga feminina de botão.” Na mesa ao lado, quem também aquece a palheta é Bianca Carvalho, 14. A impaciência típica da adolescência aparece quando ela fica nervosa por ter errado um lance ou quando pede para o pai, fã de botão, parar de atormentá-la. “Nem gosto muito de futebol, gosto mais de bater uma bola, mas achei que seria divertido participar porque é uma coisa diferente.”
Quando questionada sobre qual a parte mais difícil do jogo, ela responde sem pensar: “É fazer gol. Chegar até a área é fácil, difícil é acertar dentro da rede”. Vanessa concorda: “Bola na trave tinha que valer dois pontos.
Luciano Araújo chama as inscritas para fazer o sorteio das chaves. Os olhos estão atentos aos nomes que são tirados de dentro de um copo americano. “Não vale puxar cabelo e nem arranhar com a unha”, brinca uma das inscritas.
O designer também divulga quais serão as regras aplicadas no torneio, cujos botões escolhidos para as partidas foram os dos países destaques da Copa Feminina de Futebol de 2019. Diante do nervosismo das participantes, ele decide “facilitar” um pouco o jogo: em vez de dois tempos, as partidas teriam apenas um de oito minutos; não haveria restrição de toques por botão e o goleiro seria menor, do tamanho de uma caixa de fósforo. O anúncio deixa as jogadoras mais relaxadas. “Vou até parar de beber, agora é concentração”, fala uma delas, deixando o copo de cerveja no balcão.
Na primeira rodada, uma das jogadoras é a professora Fernanda Haag, 30, de Curitiba. Pesquisadora do futebol feminino, ela fez questão de marcar a visita ao namorado, que mora em São Paulo, no mesmo fim de semana do torneio. Parte de um time, ela fica frustrada por não conseguir repetir na mesa o que ela faz em campo. “O controle de bola é muito complicado. Na vida real, você pensa em algo e consegue fazer minimamente. O botão é outra coisa”, diz.
A professora fala com desenvoltura, mas não larga a palheta transparente, que ganhou de presente do namorado. Jogadores costumam, segundo Fernanda, ter uma ligação forte com o acessório. “É um rolê afetivo. Porque, quando você pega a manha com ela, não quer mais trocá-la.”
Juliana conta qual foi a principal orientação que recebeu do marido antes de ir para a mesa. “Falou para eu não perder a palheta dele”, diz. Vanessa, em outro momento, reclama e pede para trocar a dela pela de outra jogadora. “Essa daqui é mais mole”. As duas palhetas parecem, para olhos leigos, completamente iguais.
“Libera aí”
Assim como não falta piadas e risos, também há muita cornetagem. “Os técnicos podem ajudar?”, pergunta o acompanhante de umas das jogadoras. Os rapazes, mais acostumados a ficar na mesa do que como espectadores, não conseguem segurar a vontade de dar dicas. Tem tática até para ganhar no par ou ímpar. “Pô, libera as meninas aí”, fala Luciano de tempos em tempos, mandando os marmanjos liberarem o espaço para as mulheres. Em um momento, um deles até vai para fora do bar. “Estou aqui de castigo porque o Luciano só briga comigo”, diz.
Com o tempo, os homens deixam de lado o tom “professoral” e começam a vibrar com os lances. “Está violento demais esse jogo, é a Libertadores?”, diz um deles diante da quantidade de faltas cometidas pelos botões. “É que mulheres são mais competitivas”, responde Vanessa, ironizando o estereótipo de que não existe amizade feminina. “Uma de nós faz gol e a gente já solta: ‘ai, desculpa, amiga'”, ela ri.
A publicitária Gabriela Schultze, 37, costuma ficar no cantinho do balcão tomando cerveja e vendo jogos de futebol. Porém, trajada com a camisa do Brasil, ela logo conquista uma boa colocação no torneio. Ela ajudou na idealização e divulgação do campeonato. “Frequento esse tipo de ambiente desde os 16 anos e falo que é o local mais respeitoso. Fã de futebol respeita as mulheres.”
Apesar de ter sido favorita, Sandra sai da competição na primeira fase, junto com Bianca. Fernanda é eliminada em uma disputa de penaltis, enquanto Gabriela chega até a semifinal. O grande embate fica, no entanto, por conta de Vanessa e Juliana. Elas são as jogadoras que competem pelo troféu do primeiro torneio de futebol feminino. A engenheira ganha por um a zero. Ela só queria ser vice, mas levou o primeiro lugar. Agora o marido que aguente a cornetagem em casa.
Texto: Natália Eiras (Universa)
Reprodução: www.uol.com.br